A passagem recente do System of a Down pelo Brasil foi mais do que um simples revival. Foi um evento coletivo, quase ritualístico. Plateias inflamadas cantaram cada verso como se estivessem exorcizando anos de tensão acumulada — e talvez estivessem mesmo. No palco, Serj Tankian e companhia transformaram seus hinos caóticos em catarse pura, reafirmando o que já sabíamos: o SOAD nunca deixou de ser relevante.
A relação do público brasileiro com a banda vai além do som pesado. Existe um elo afetivo, visceral. Desde os anos 2000, o System ecoa nas caixas de som de adolescentes indignados, estudantes politizados e até ouvintes casuais que encontraram ali uma válvula de escape sonora e emocional. A mistura explosiva de nu metal, thrash, rock alternativo, música armênia e pitadas de teatro absurdo cria uma identidade única — tão estranha quanto familiar, tão intensa quanto necessária.
Em um cenário global cada vez mais marcado por colapsos políticos, guerras e polarizações, o discurso anti-imperialista e crítico da banda ressurge com força. Músicas como BYOB ou Prison Song soam hoje tão, ou mais atuais do que na época do seu lançamento. É como se o tempo tivesse parado — ou, pior, insistisse em repetir os mesmos erros.
Esteticamente, o SOAD sempre foi o oposto da previsibilidade. Quebras de ritmo, vocais múltiplos, riffs imprevisíveis e letras que oscilam entre o humor grotesco e o protesto direto. Ao vivo, tudo isso se amplifica. A apresentação é crua, energética, urgente. Não há espaço para amenidades: há suor, gritos, comunhão. É barulho com propósito.
Curiosamente, a banda praticamente não lança músicas novas desde Hypnotize (2005). E isso só alimenta o mito. Enquanto contemporâneos como Korn e Slipknot seguem produzindo discos com relativa regularidade — e explorando novas sonoridades — o SOAD se mantém em suspensão. Uma banda que parou no tempo, mas que se recusa a envelhecer. Isso, paradoxalmente, os mantém eternos.
Comparar com outras bandas da era nu metal é inevitável. O Deftones refinou sua estética, explorou atmosferas. O Korn se rendeu a colaborações pop e flertes eletrônicos. O Slipknot virou um monstro do mainstream metálico. Já o SOAD, mesmo em silêncio discográfico, permaneceu intacto na memória afetiva de uma geração que cresceu entre guerras televisadas, fóruns de internet e a constante sensação de estar vivendo o fim de alguma coisa.
Talvez seja por isso que os shows de 2025 bateram tão forte. Porque não se trata apenas de nostalgia — e sim de necessidade. O mundo ao nosso redor continua caótico. E, nesse caos, o System of a Down ainda soa como trilha sonora ideal: confuso, barulhento, explosivo e, no fim, profundamente humano.