Haja fôlego: o vai e vem do Oxigênio Festival 2024

Fotos: Dayane Mello

 

O mês de agosto chegou e, com ele, um dos primeiros festivais do calendário para o segundo semestre do ano: o Oxigênio Festival, uma nova tradição de São Paulo com quase uma década para os fãs do hardcore nacional e internacional. A edição de 2024, produzida pela Gig Music/Hangar 110, contou com dois dias de atrações conhecidas na cena, como Hot Water Music, The Get Up Kids, Sugarkane, Hateen e Bayside Kings

 

O local responsável por receber o festival até as primeiras horas do sábado seria o aeroporto Campo de Marte, na Zona Norte da capital paulista. Ao contrário do esperado, a organização do Oxigênio Festival anunciou a troca do local do evento poucas horas antes do começo do evento.

 

A produção fez o anúncio em sua conta no Instagram falando sobre as mudanças na programação por meio de uma publicação em vídeo que mostrava a estrutura pronta para receber o festival no aeroporto, mas sem explicitar o que havia causado tamanho transtorno com a mudança de local em cima da hora. Conforme a postagem, o evento estava “todo montado, com palcos, stands, tendas, com todas as documentações, licenças e alvarás válidos e entregues”. No entanto, neste sábado, nas primeiras horas do dia, a produtora foi surpreendida com o fechamento do aeroporto e ninguém conseguiu acessar o local.

Nessa mesma publicação, foi comunicada a decisão pelo cancelamento de algumas atrações para readequar o line-up a um novo – e único – palco para os shows do sábado: o Cine Joia, no bairro da Liberdade, com capacidade para aproximadamente mil pessoas.

 

No meio desse improviso todo, a Pax Aeroportos – responsável pela operação e assuntos comerciais do Campo de Marte – foi procurada por nós e enviou uma nota se posicionando sobre o cancelamento do evento:

“A PAX Aeroportos informa que em observância aos normativos do Município e do Estado de São Paulo não foi autorizada a realização do Oxigênio Festival nas dependências do Campo de Marte nos dias 3 e 4 de agosto de 2024.

Além disso, a cessionária da área prevista para a realização do evento, apesar de notificada previamente sobre a rescisão do contrato com a Pax Aeroportos, ignorou tal condição.

 

Reforçamos nosso compromisso de atuação responsável, com foco em segurança operacional, inovação, cumprimento das exigências regulatórias, normativas e contratuais definidas pelos órgãos reguladores e Poder Concedente.”

Ainda em nota, a assessoria também informou que a rescisão contratual com o evento foi realizada no dia 31 de julho, 4 dias antes da data do festival.

Mudanças na programação

Inicialmente as bandas Karaokillers, Deb, Faca Preta e Apnea haviam sido canceladas, privilegiando a apresentação de quem havia viajado para tocar em São Paulo, mas em um segundo momento a produção conseguiu acomodar esses artistas cortados no 2º dia do festival, que aconteceu em ainda outra casa de shows: a Audio Club, no bairro da Barra Funda – que contou com uma estrutura mais adequada, dois palcos e maior capacidade de público (aproximadamente 3.200 pessoas).

 

O ambiente do Cine Joia, numa perspectiva geral, é bastante reduzido. O palco sem grades é colado à pista e tem uma inclinação de auditório, já que a casa costumava ser um cinema. Existem dois banheiros nas laterais, assim como o bar (que não serviu nenhum tipo de alimentação) e sua longa fila única, que disputava espaço com as mesas de merch das bandas. Não tinha muito para onde circular entre uma banda e outra, exceto caso você fosse adepto do fumódromo externo.

O show tem que continuar

Ao contrário do clima chuvoso que marcou a edição de 2023, o sábado ensolarado com temperatura agradável deste ano entregou o ambiente ideal para um festival ao ar livre. Com as expectativas contrariadas, porém, o clima se tornou de frustração pela mudança inesperada, o que era bastante aparente entre os fãs e profissionais envolvidos na produção do evento na chegada ao Cine Joia.

 

Com equipamentos entrando na casa de shows enquanto o tímido público formava fila na área externa, o festival ainda teve um atraso de 40 minutos no início da primeira banda. Os encarregados por aquecer o palco para os artistas remanescentes do line-up foram os cearenses do Backdrop Falls.

 

A pista do Cine Joia durante o show do Backdrop Falls lembrou muito aquele clima de primeira apresentação na Batalha das Bandas da escola: praticamente vazia e com os poucos presentes distantes como se tivessem alergia ao palco. A banda se esforçou para entregar de forma empolgada o seu repertório de hardcore-punk competente cantado em inglês, mas não conseguiram cativar o público desinteressado nem quando engataram um medley de clássicos do punk rock gringo, com as manjadas “Blitzkireg Bop” (Ramones) e “American Jesus” (Bad Religion).

 

O quarteto de Fortaleza fez questão de puxar um agradecimento às bandas que cederam espaço para que os forasteiros pudessem se apresentar e na sequência puxaram a balada “Nothingness” um dos destaques no repertório, justamente por a banda pisar no freio e entregar um pouco mais de melodia e dinâmica. O set voltou ao BPM acelerado na sequência com o single mais recente, “Bury You Down“. A faixa “Big Lie” encerrou o show com um dos refrões mais marcantes até aqui, talvez pela simplicidade da letra para quem não é nativo no inglês.

A casa começou a ter seus espaços preenchidos durante a apresentação dos catarinenses do Horney, mais uma banda que escolheu o inglês como idioma principal das suas composições. O jovem quarteto parecia muito feliz em poder tocar fora do seu estado de origem e conseguiram conquistar a plateia com a presença de palco cativante da vocalista Duda Maiolini. A cantora e guitarrista tem uma voz que combina muito bem com a sonoridade de bandas de rock com um pé no grunge dos anos 90 – talvez daí venha a influência para os lookinhos dos integrantes combinando suas roupas com o tradicional xadrez-Seattle.

 

O destaque do set ficou para a faixa “Fool’s Game“, que mostra uma versatilidade maior dos músicos e começou com Duda convidando o público a “sambar” com eles. A vocalista terminou o show bastante emocionada por estar ali e definitivamente o Horney conquistou alguns fãs paulistas em sua viagem.

Na sequência, o Aurora Rules, banda de Metalcore/Post-Hardcore de Goiânia/Brasília, desfilou proficiência e presença de palco com os seus breakdowns e o típico contraste de melodia e peso, tão característicos do gênero. O quinteto goianiense foi a primeira banda da noite a cantar músicas autorais em português, o que é muito bem-vindo para criar alguma diferenciação com os demais em um estilo tão característico de bandas dos Estados Unidos.

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Esse foi o primeiro show da tarde que conseguiu empolgar mais o público presente e fez girar as primeiras rodas-punk do festival, o que não passou despercebido pela banda. Em certo momento da apresentação, o vocalista Yuri Lemes elogiou a plateia e contou que o ônibus do baixista vindo de Brasília pegou fogo, reforçando sua crença de que essa sequência de “zicas” com o festival fariam com que o show fosse exatamente o oposto: um sucesso. 

 

O Aurora Rules encerrou o seu set com a potente “Ao Medo, o Passado” e entregou uma apresentação muito enérgica no palco do Cine Joia.

O Bayside Kings era uma das atrações mais aguardadas do dia pelos fãs e foram muito aplaudidos em sua entrada no palco para o que prometia ser um show enérgico e com troca intensa entre artista e público.

São Paulo tem muitos adeptos fanáticos do hardcore e suas coreografias, mas a plateia demorou um pouco a engrenar enquanto o Bayside desfilava o seu repertório agressivo e rápido. O vocal Milton Aguiar chegou a “puxar a orelha” dos presentes em mais de um momento do show, pedindo para os presentes acordarem e agradeceu muito ao miolo da pista que puxava todas as rodas e moshes com o auxílio dos objetos cenográficos da banda: boias e bolas infláveis de praia.

A paixão do vocalista pelo estilo é comovente e ficou muito clara quando ele fez a seguinte declaração no palco: “Não tem jeito, hardcore punk é um esporte de contato. É gay, é coisa de mina, de preto, é político também. Se você não concorda comigo, talvez aqui não seja o seu lugar. Se você concorda comigo, dê 2 passos para frente, por favor.”

 

O set cheio de sangue nos olhos dos Reis da Baía de Santos chegou ao fim com a pegada “Existência“, para delírio do incansável meio da pista.

De forma um pouco anti-climática após a explosão que foi o show anterior, o guitarrista e vocalista Chris Cresswell (The Flatliners/Hot Water Music) entrou no palco com seu violão Martin para apresentar um set acústico solo antes de tocar com a atração principal da noite. Disse em tom bem-humorado não poder prometer muitos moshes e que esse seria o momento de calmaria, mas que juntos todos passaríamos ilesos por essa experiência.

 

Em certo momento, também pediu uma salva de palmas para os organizadores do festival por conseguirem fazer a festa acontecer mesmo depois de tantos inconvenientes e elogiou a apresentação dos santistas do Bayside Kings: “Eu realmente gostei do que vi aqui”.

No repertório, entregou apenas 8 faixas: algumas canções dos seus dois discos solo, como “Meet Me In The Shade”, “Roam” e “San Ysidro”, um agrado aos fãs de sua banda original, o Flatliners, com versões acústicas de “Indoors” e “Liver Alone”e mandou um cover da banda Dead to Me, “Arrhythmic Palpitations” –  após dizer que essa música é provavelmente a melhor contribuição que alguém já fez ao gênero, em sua opinião.

Já nos aproximando dos finalmentes do dia, a banda Dominatrix, na estrada desde 1995, entregou o seu Hardcore Feminista para a plateia que observava atenta em reverência ao legado do quarteto formado somente por mulheres e liderado pela vocalista Elisa Gargiulo, ativista feminista e percursora do movimento “Riot Grrrl” no país. 

Às 21h30, foi a vez dos veteranos do emo brasileiro assumirem o palco. O Hateen, guiado pelo vocalista, guitarrista (e fã incondicional de Hot Water Music), Rodrigo Koala, decidiu emendar uma música na outra e tocar de forma bastante acelerada o seu repertório de hits do gênero, em inglês e português. O motivo? Koala nos explicou que gostaria de dar mais tempo de palco para os headliners da noite, porque “todo mundo aqui é fã pra caralho da banda”.

O Hateen botou o coral da pista para soltar a voz na primeira cantoria realmente engajada do festival com a dobradinha “Quem Já Perdeu Um Sonho Aqui” e “Não Vá“, faixas do disco Procedimentos de Emergência (2006). “Não Vai Mais Ter Tristeza Aqui” manteve o ritmo acelerado, com a banda dobrando praticamente o tempo das gravações originais. Canções como “Coração de Plástico“, “Se Um Dia Lembrar de Mim“, “Danger Drive” e o hit “1997” embalaram o resto da apresentação.

 

A música “Obrigado, Tempestade” encerrou o set apressado e potente do Hateen após Koala desabafar ao falar sobre o quanto eles gostam do que fazem há 30 anos, e que por mais que doa nele saber que a banda não estará aqui por mais 3 décadas, tudo é feito com muito amor.

A verdade é que a grande maioria dos presentes no Cine Joia estava lá mesmo para ver o Hot Water Music. Isso ficou evidente quando os donos da festa entraram no palco: a apatia que dominou boa parte da plateia ao longo do dia se transformou em euforia.

Muito ovacionados, Chuck Ragan (vocal/guitarra), Chris Cresswell (vocal/guitarra), Jason Black (baixo) e George Rebelo (bateria) abriram o set com o clássico “Remedy“, para dar início ao que seria uma grande celebração dos 30 anos da banda, que passeou ao longo das duas horas de apresentação por 20 faixas presentes em 9 dos seus 10 discos de estúdio. 

 

A banda é muito entrosada, empolgada no palco e entregou versões impecáveis de canções antigas e novas como “Sweet Disasters” e “Menace”. A última é uma ótima representação de como as vozes de Ragan e Cresswell são complementares: uma carregada de rouquidão, sentimento e drive, enquanto a outra é mais aguda, energizada e melódica. A dinâmica entre os dois vocalistas definitivamente é um dos pontos altos do show.

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O vocalista Chuck não poupou elogios à plateia de São Paulo e se mostrou emocionado com o encontro de pessoas apaixonadas por punk/hardcore naquela noite. “Eu sou muito grato por estar aqui hoje, agradeço a oportunidade, às inspiradoras bandas de abertura e peço que batam palmas pra produção que está tendo um dia muito difícil e mesmo assim fizeram acontecer“.

 

Ragan ainda fez eco a uma sensação de pertencimento que reflete o que muitos presentes ali sentem em relação ao punk e ao hardcore, antes de tocar a faixa “Burn Forever”: “Quando éramos jovens nós procurávamos um tipo de som que nos representasse, nos fizesse sentir vivos, uma comunidade, uma família. Imaginamos que vocês estejam aqui pelo mesmo motivo. Nunca deixem essa união, essa comunhão se acabar. Dividam com os amigos, com a família, com suas crianças.”

 

Já mais próximos do encerramento do show, Chuck falou mais uma vez de forma emotiva sobre a potência da música que a banda compõe e a intenção de elevar as pessoas para lugares positivos, carregados de sentimentos bons, mesmo que a origem da inspiração para essas músicas possa vir de um lugar um pouco mais sombrio:

“Nós fazemos música para as pessoas se sentirem bem, músicas que nos levam a lugares bons. Não necessariamente isso faz uma música ser boa, mas elas têm que ser uma luz no fim do túnel, que energize, ajude contra a depressão, nos dê uma razão para continuar. Muitas não nascem de um lugar bonito, elas vêm de uma origem sombria. Uma das melhores coisas sobre a música é que está tudo bem se sentir mal, se sentir inadequado e vivendo uma fase ruim – o que não é ok é ficar preso ali nesse ponto baixo. A música tem que ser uma escada que nos tire desse buraco. Uma luz no fim do túnel que nos faz acordar de novo na manhã seguinte e seguir em frente.”

A canção tocada na sequência e que inspirou esse discurso todo foi a faixa “Drag My Body“, que aborda justamente as consequências da depressão.

 

O Hot Water Music encerrou a primeira parte do set com “It’s Hard to Know” e voltaram ao palco para o bis com uma dobradinha do disco Caution: “Wayfarer” e “Trusty Chords” acabando com a primeira parte da festa. O Oxigênio havia finalmente vencido o fatídico sábado, 3 de agosto de 2024.

O dia seguinte de festival na Audio Club contou com apresentações de Karaokillers, Join The Dance, Swave, December, Deb, Nitrominds, Faca Preta, Sugar Kane, Maguerbes, Aditive, Chuck Ragan e The Get Up Kids, encerrando a edição 2024 do festival. O EQFM também esteve presente no 2º dia e você pode conferir os registros e cobertura no nosso Instagram. 

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