“Flores” nasce como um desabrochar. Além do lançamento de um single, a nova música de Gabi Farias marca um ciclo de amadurecimento e expansão criativa. A artista amazonense, radicada em São Paulo desde 2023, revela neste trabalho o resultado de uma década de experimentações musicais que dialogam com o corpo, a memória e o território. “Misturar versos que são como um mantra com uma batida eletrônica dançante é uma forma de reafirmar força e pertencimento”, resume Gabi, e é exatamente essa fusão de introspecção e ritmo que pulsa em sua nova fase.
Após ganhar projeção com o álbum Enchente (2022) — um mosaico colaborativo com artistas da cena manauara —, Gabi se aprofunda agora em uma sonoridade mais quente e urbana, mas sem abdicar das raízes. O novo trabalho, produzido ao lado da paulistana Lumanzin, une pop, reggaeton e eletrônica a referências amazônicas e latinas, em um gesto de conexão continental. “Tenho escutado muitas artistas da América Latina que falam de natureza, de força e de ser mulher. Isso me inspira. São vozes que me fazem lembrar de onde venho, mas também me abrem para o mundo”, conta.
Essa travessia entre lugares, sejam eles geográficos e sonoros, é um dos temas centrais da conversa com a cantora. Ao migrar de Manaus para São Paulo, Gabi enfrentou o choque de não pertencimento, que se transformou em combustível artístico. “Logo que cheguei, tive essa necessidade de dizer ‘eu não sou daqui’. O Norte é um lugar ainda muito negligenciado. Adaptar-se completamente não condiz com o que quero apresentar. Prefiro afirmar de onde venho e criar pontes a partir disso.” Essa postura reflete-se nas parcerias: de Victor Xamã e Batuc Banzeiro a Lumanzin, suas colaborações são pontes entre cenas que se escutam e se fortalecem.
A voz, para Gabi, é território. É instrumento, textura e espelho de emoções. “Ela é o que eu tenho no corpo. Se estou triste, nervosa ou feliz, a voz vai refletir tudo isso. É espiritual e ancestral também.” Essa relação quase ritualística aparece em *Flores* — nas camadas vocais, nos versos circulares, no canto que parece evocar movimento e introspecção ao mesmo tempo. “A voz é meu instrumento principal. Adoro brincar com camadas e criar sensações de paisagem e sinestesia. Mas aprendi também a abrir espaço para o silêncio e para o solo — o lugar onde a emoção conduz.”
Do ponto de vista musical, Flores é uma síntese do que Gabi chama de “ritmos quentes”: o reggaeton, a cúmbia e até o gambá do interior amazonense aparecem como células rítmicas que ela deseja traduzir à sua maneira. “Quero trazer sons que não são tão comuns, mas de forma acessível. É um álbum que nasce do conceito — quero que as pessoas dancem, mas também percebam o território por trás de cada batida.”
Esse equilíbrio entre densidade e leveza também se reflete na apresentação. No palco, a artista transforma camadas de voz e arranjos complexos em energia viva. “Acho que só agora cheguei a um lugar de segurança e liberdade corporal. Antes, eu reproduzia o arranjo. Hoje, improviso, brinco, me permito sentir. É outro tipo de presença.” O show gravado no Sesc Pompeia, em São Paulo, é um retrato desse amadurecimento: um espetáculo de atmosfera imersiva e pulsante, que evidencia a fusão entre técnica e instinto.
“Flores”, portanto, chega como um manifesto. Entre a voz e o beat, Gabi Farias cria pontes — entre a Amazônia e o mundo, entre a tradição e o eletrônico, entre o corpo e a memória. Quando questionada sobre qual imagem representaria essa nova fase, ela não hesita: “É primavera. As flores estão desabrochando. É o encerramento de um ciclo e o início de outro.”
E é justamente essa primavera que se ouve em cada compasso: uma artista que floresce, com raízes profundas e o olhar voltado ao futuro.





























































































































