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Entre a panela e o microfone: BONSAI aposta tudo em “Sorte ou Revés”

Durante o dia, Miguel trabalha na cozinha. À noite, vira BONSAI. Entre um turno e outro, entre um prato e uma barra, ele atravessa o que chama de “dupla jornada artística”. Cozinheiro profissional há mais de dez anos — com passagens por restaurantes estrelados —, vive em Mauá, na Grande São Paulo, com a esposa e filhos. É desse cotidiano apertado, instável, que nasceu Sorte ou Revés, seu segundo disco de estúdio, um trabalho construído com a paciência de quem entende o tempo do fogo baixo e a fúria de quem sobrevive no calor da linha de frente.

 

Mais do que uma sequência de faixas, Sorte ou Revés é uma obra pensada como um álbum-filme. Com 21 faixas e produção assinada por CIANO, Carcamano e João Rudgini, o disco é uma imersão sonora que passa pelas texturas da rua, a pressão econômica, os amores que salvam, as perdas que dilaceram e a oscilação constante entre sonho e cansaço. 

 

Beats, ruídos e cenas: quando o rap vira cinema

Não por acaso, a primeira faixa do disco já soa como um trailer. Colagens, sirenes, sons industriais, latidos, fumaça, passos e motos desenham a paisagem antes mesmo da entrada dos versos. A cidade é Mauá, mas poderia ser qualquer periferia brasileira. “A gente criou cenas inteiras usando só som”, explica João Rudgini. “Tem uma hora que o personagem tá na praia, depois tá fugindo de moto. Tudo isso sem precisar dizer, só com ambientação.”

 

Essa obsessão por textura sonora virou uma obsessão criativa. “Foram madrugadas pescando sons. Queríamos que cada beat tivesse vida própria”, diz Rudgini. BONSAI complementa: “Essa pesquisa é espírito de beatmaker mesmo. De quem quer achar o som certo, e não o mais fácil.” A escolha por não padronizar os beats, alguns mais secos, outros mais climáticos, alguns sem bateria, outros com groove denso, faz parte da lógica narrativa. Sorte ou Revés quer parecer filme, não trilha sonora.

 

A construção não partiu de um conceito prévio. Foi só após mais de 30 faixas gravadas que o quarteto percebeu o arco que se formava. “A sequência virou o roteiro. Do lado ‘Sorte’ e do outro ‘Revés’, o disco muda. Você começa otimista e termina no abismo”, explica BONSAI. A virada acontece em “Vertigem”, faixa 13 — número azarado, presságio de queda. A partir dali, o clima é outro.

 

Vida real, estética crua

As letras do disco não vendem vitória fácil. Mesmo nas faixas mais “solares”, como “Teoria dos Jogos” ou “Yusuke”, há sempre um sentimento de instabilidade. “Tem dia que você acorda com o copo meio cheio. Tem dia que é meio vazio. Isso atravessa tudo”, diz BONSAI. A caneta do rapper flerta com o storytelling (Papel, por exemplo, narra a história de um ex-criminoso que abandona o amor por não se achar digno dele) e com a crônica social direta (Capuava, que denuncia o descaso ambiental do bairro industrial onde vive).

 

A crítica ao vício em apostas, seja presencial, digital ou simbólico, atravessa o disco com sutileza. “É um tema contemporâneo. Todo mundo conhece alguém que perdeu algo para esse jogo”, diz Miguel. “A ideia era mostrar que o jogo da vida também é esse: você ganha numa faixa, perde na outra. Mas ninguém vence de verdade.”

 

O clímax vem em “Aqui Jazz”, quando a persona BONSAI morre e surge Miguel, limpo de estilo, sem artifício. “É meu espírito falando. Quis deixar claro que dali pra frente era só eu”, diz. O beat fúnebre, assinado por João, sela o ciclo. A frase final é um suspiro: “Tudo é um sopro, e tudo some como átomos de resistência”.

 

Aposta artística e recusa ao algoritmo

O disco marca também um recomeço. Sete anos depois do primeiro álbum, BONSAI entrega um trabalho de fôlego longo e sem concessões ao consumo rápido. “Sabíamos que seria difícil de absorver. Mas queríamos fazer algo grande, duradouro”, afirma. “Se hoje você gosta de uma faixa, daqui a meses pode gostar de outra. É disco de várias escutas.”

 

Na contramão da estética do algoritmo, o grupo apostou em um projeto coeso, emocional e lento. “A gente se recusa a seguir fórmula. Nosso som é feito pra durar, não pra viralizar”, diz João. O show de lançamento já está sendo desenhado como uma extensão performática do álbum — com teclas, projeções e transições visuais entre o lado claro e o lado sombrio da obra.


E mesmo sabendo que “a casa sempre vence”, como diz uma das faixas, BONSAI segue jogando. “Lucidez é saber que não dá pra ganhar sozinho. Mas dá pra criar outra lógica. Outra regra. Outro jogo.” Para ele, viver de rap ainda é um sonho, mas nunca um devaneio. “Enquanto for possível cozinhar de dia e escrever de madrugada, eu continuo. Porque tem coisa demais aqui dentro que precisa sair”. Ouça o álbum na íntegra: 

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