Beto Bruno, gaúcho de Passo Fundo (RS), atualmente com 51 anos de vida, é uma figura emblemática do rock brasileiro. Carismático, é obcecado por música, além de ser um grande contador de histórias – e Beto escreveu a própria à frente da Cachorro Grande por mais de duas décadas com muito “sangue nos olhos”, como ele mesmo descreve.
Agora aquecendo os motores para a reunião da banda que o consagrou pelo país afora, o vocalista conversou com o EQFM da sua casa na Vila Mariana, em São Paulo, em uma tarde fria e chuvosa de sexta-feira. Entre risadas, lembranças e alguns cigarros, nos falou sobre a quantas anda a reunião da Cachorro Grande, a turnê de 25 anos de comemoração da carreira da banda e as perspectivas de futuro que essa “segunda chance”, em suas palavras, proporciona. Confira a seguir.
EQFM: A Cachorro Grande passou 6 anos em hiato, retomou as atividades para alguns shows comemorativos e agora parte para essa celebração de 25 anos. A nostalgia dos fãs é a maior responsável pelo retorno ou existem elementos musicais maiores que colaboraram?
Beto Bruno: Bom, eu posso dizer que [a reunião] começou há 3 anos em Porto Alegre, quando a prefeitura chamou a banda para um show no aniversário de 250 anos [da cidade]. Não partiu de nós, nem do público. Foi um convite.
Nós já estávamos há quase 4 anos separados. Eu achei a ideia genial. O resto da banda também topou. Só que esse show, bicho, foi incrível. Ninguém estava pensando em voltar, nem em fazer uma turnê. Era só esse show mesmo. Para nós da banda foi uma emoção enorme, se juntar e poder reunir todo mundo. Somos uma família que ficou unida por 20 anos. Mas também pelo som que rolou nesse show. O mais legal de tudo é que não parecia a continuação do que a gente vinha fazendo em cima do palco, como foi a turnê de despedida. Eu acho que todo mundo melhorou bastante.
Todo mundo apanhou muito sozinho. Tivemos que gravar os discos solos e acho que cada um aprendeu bastante. Veio uma sonoridade nova pra nós, um pouco mais pesada, na hora que tem que ser. Os improvisos, que sempre descambaram em uma psicodelia sem freio, vieram com outra cara, uma outra viagem, sabe? A gente se amarrou naquele show. Eu fiquei encantado e a gente viu uma resposta do público fantástica.
Eu acredito que eles não esperavam um show tão foda, porque normalmente essas bandas ficam um tempo sem tocar, depois aparecem totalmente enferrujados. Mas não era o caso.
Então a gente gostou tanto desse encontro que nós combinamos que ia ter um show em São Paulo também, muita gente pediu. E tudo que a gente queria era que eles pedissem. Combinamos de todo ano fazer uma reunião em Porto Alegre. Só que esses shows têm sido tão legais que a gente teve a ideia de fazer uma turnê de 25 anos. Porque a saudade bateu mesmo e todas as feridas assim tiveram tempo de secar, sabe? Foi bem difícil a separação, os últimos 5 anos da banda, mas a gente conseguiu deixar isso lá para trás e estamos curtindo muito. Então veio a ideia de fazer uma turnê que seriam poucos shows, eu acho que não passavam de 10 capitais, mas nós já estamos indo para o 20º show e estão marcando mais ainda até o final do ano. E, bicho, nós estamos amarrados. Nós estamos curtindo muito, muito.
EQFM: No documentário [“A Última banda de Rock” (2024), Globoplay] vocês falam de um show que vocês fizeram em Porto Alegre no início da carreira que foi um grande estalo para a banda, que bateu uma realização de “é isso que a gente tinha que fazer da vida”. Acha que essa é uma nova versão daquela Cachorro Grande que começou lá há 20 anos? Vocês parecem ter renovado as energias.
Beto Bruno: Tem isso. É muito por causa desses 4 anos separados, que fizeram a gente valorizar bastante o que a gente tinha. Os meus trabalhos solos foram bem difíceis. Eu fiz muito show, viajei muito, mas não teve nada parecido com a repercussão de um lançamento da Cachorro Grande. Então é como se a gente tivesse começando de novo, lá embaixo, só que com uma bagagem a mais que as pessoas que começam normalmente não tem ainda. Agora poder fazer uma turnê com a banda de novo, com um público maior, isso tudo me emocionou muito.
Me deixou muito feliz saber que o público ainda está lá. Está crescendo e uma nova geração vem se interessando também. Uma geração que não tem ideia do que era a MTV há 15 anos e que está aí se interessando, indo nos shows e comprando os discos de novo. Os discos estão sendo relançados em vinil, tem pessoas mais novas que não são da nossa geração lá comprando eles – e são os que mais compram. Então, bicho, ter começado há 25 anos, aquilo lá era um grande sonho se realizando. E agora, de novo, respondendo a tua pergunta, tem uma ligação sim, entre aquela Cachorro Grande que começou há 25 anos atrás e essa que está fazendo shows aí quase todo fim de semana.
Até agora nenhum de nós falamos aqui “e aí voltamos? a banda vai voltar?”
EQFM: E essa pergunta fica no ar, né? Voltaram em definitivo? Vai vir mais material inédito por aí?
Beto Bruno: Nós não sabemos ainda o que vai ser. Apesar de estar curtindo muito, muito – eu estou dedicando mais do meu tempo e da minha agenda pra Cachorro Grande do que pro meu trabalho solo – e eu continuo fazendo shows solo. Estou me amarrando demais, isso me deu uma nova força que eu nem imaginei que tinha mais. Sou novo pra falar isso, né? Mas é porque os 20 anos da Cachorro Grande foram muito desgastantes.
EQFM: Inclusive eu estava assistindo uma entrevista sua onde você comentou que vocês “pagaram com o fim da banda, o preço dessa convivência constante dos aeroportos às 6 da manhã, viagens exaustivas e o uso frequente de drogas”. Você acha que a Cachorro Grande opera de uma forma mais leve e consciente agora? Mais saudável, talvez?
Beto Bruno: Sim, exatamente, senão a gente não ia conseguir fazer o que a gente tá fazendo em cima do palco, sabe? E também a gente não conseguiria estar se relacionando no nível que a gente está se relacionando hoje, com muito respeito. Esse respeito é por causa da entrega de cada um que está ali. Todos passaram por problemas, nenhum ficou ileso a esses problemas e hoje está tudo bem. Hoje está tudo tranquilo. Estamos muito mais dispostos a estar juntos, em cima do palco e valorizando o que a gente tem. Mas, aeroporto às 6 da manhã eu estou fora, isso eu não quero mais pra minha vida.
EQFM: Vocês encerraram a banda com um show no Cine Joia em São Paulo. Você diz no documentário ter viajado à capital quando era mais jovem para ver os Rolling Stones e comprar discos com o seu irmão. Um dos discos da banda, “Baixo Augusta”, fala sobre a vida em uma das ruas boêmias mais conhecidas da cidade. Como você descreveria a cidade de São Paulo e sua relação com ela? O quanto ela é temática das tuas letras?
Beto Bruno: Vou voltar no tempo, tá? Eu morava em Uberlândia (MG) e a minha família era de Passo Fundo. Quando pequeno, eu ia visitar o resto da minha família em Passo Fundo (RS) de ônibus. Eram mais de 24 horas [de viagem] e ficava 2 horas parado em São Paulo. Eu ia pro centro ver as lojas de discos. Já era apaixonado, né? Eu e meu irmão pegávamos carona de Uberlândia para São Paulo para assistir shows com 16 anos, Eu sempre fui apaixonado por São Paulo, desde aquela época, e eu lembro que o ônibus passava na frente da Editora Abril [na chegada]. Eu ficava louco esperando passar a editora pensando“todos os meus gibis foram feitos ali” e cheio de discos novos embaixo do braço. Sempre foi um sonho morar aqui em São Paulo. A chegada com a Cachorro Grande foi em 2004, a gente já vinha tocando na cidade, mas a gente vinha, ficava uma semana, tocava e voltava. Cada vez que a gente vinha dava mais vontade de mudar para cá.
Isso aconteceu definitivamente em 2004 para 2005, quando a gente assinou o contrato com a Deckdisc e um dos pedidos, a única coisa que a gravadora falou foi: “olha, se vocês estiverem em São Paulo, é mais fácil da gente trabalhar o disco de vocês, trabalhar a banda e tal”. Já estou aqui há 21 anos. Os primeiros tempos foram na [Rua] Augusta, com a banda toda em um prédio só – morava um por andar. Aqueles foram os anos de chumbo. Sobrevivemos, graças a Deus. Nos últimos 11 anos eu estou aqui na Vila Mariana e que Deus me conserve aqui, porque eu amo a Vila Mariana. Tu sabe como é legal aqui.
EQFM: É um lugar especial na cidade mesmo.
Beto Bruno: É, por mais que seja a maior cidade da América Latina, uma das maiores cidades do mundo, cara, eu tenho vizinhos na Vila Mariana. A gente sabe quando um está viajando, a gente sabe o nome de todo mundo, fazemos a feira juntos. Eles pedem para eu abaixar o volume depois das 22h com a maior tranquilidade do mundo, sabe? Eu não troco a Vila Mariana por nada.
EQFM: Vocês abraçaram a alcunha da “última banda de Rock”, mesmo que de forma irônica, desde a época da MTV até no título do documentário da Cachorro Grande. Você acredita de verdade que o gênero parou de produzir grandes lançamentos?
Beto Bruno: (risos) Tomara que não, né? Tem milhares de bandas de rock, esse título aí do filme foi o Lírio [Ferreira] quem deu, o nosso diretor. Tem tanta banda bacana. Mas é que o título é bom. É bom porque provoca, né? Cachorro Grande tem isso. Mas saiba que eu conheço muita banda boa brasileira que saiu depois da Cachorro.
EQFM: Eu tenho uma pergunta sobre as composições da Cachorro Grande, que são todas em português. Muita banda de rock brasileira atualmente faz composições em inglês, e isso não é demérito, é uma escolha. A Hurricanes, que vai tocar com vocês nessa turnê, é um exemplo.
Beto Bruno: E são fantásticos.
EQFM: Vocês são uma banda de rock genuinamente brasileira, que canta em português. Isso foi uma decisão consciente? Qual sua opinião sobre?
Beto Bruno: Vou ser bem honesto contigo: Nunca passou pela nossa cabeça, nós nunca conversamos sobre fazer alguma coisa em inglês. Desde a primeira música da banda, que é “De Baixo do Chapéu”, música que eu fiz lá no comecinho, a única música que a gente tocava nos shows – era um monte de cover de banda inglesa dos anos 60 e “De Baixo do Chapéu”, que a gente transformava ela em um rock progressivo de 17 minutos.
Lá nós já começamos a escrever em português e nunca passou pela nossa cabeça escrever em inglês. Nunca, nunca mesmo. Nós somos tão apaixonados por Mutantes e ali no segundo disco deles eu fiquei chocado, “porra, como soa bem rock em português”. Nos anos 80 teve tanta banda bacana, os Titãs, os Paralamas, o Ira! escrevendo em português, o Lobão é um puta letrista, sabe? Acho genial, bonito, poesia. Dá para fazer sim, em português, e eu acho que eu nem saberia fazer uma letra em inglês.
EQFM: Eu tive o meu primeiro contato com a Cachorro Grande em 2005, no Festival Claro Que É Rock. Vocês tocaram com Iggy & The Stooges, Flaming Lips, Sonic Youth e Good Charlotte em uma época em que os festivais internacionais começavam a ficar mais frequentes aqui no Brasil. Vocês também já abriram shows de grandes bandas como Aerosmith, Oasis e Rolling Stones. O quanto essas experiências “internacionais” ajudaram a mudar os rumos da Cachorro Grande?
Beto Bruno: Por causa dos festivais como esse que tu assistiu, eles deram a credibilidade de abrir certos shows de ídolos nossos, como Oasis e os Rolling Stones. Até hoje eu não acredito nessa parada com os Stones, que doideira. Mas é que nesse show aí por exemplo que você viu, eu me dei conta do dos festivais dos anos 80, início dos 90, quando eu era pequeno e eu via as bandas nacionais lá buscando espaço desde o primeiro Rock In Rio.
Como era importante para aquelas bandas estarem naquele festival. O Barão Vermelho estourou no Rock In Rio. Eu lembro da gente conversar muito entre nós. Seríssimo. Tipo, “galera, chegou a nossa hora, nós vamos tocar num festival com Iggy Pop e os Stooges, Flaming Lips”. Tinha tanta coisa legal. Eu me lembrei daqueles festivais e de como foi importante para aquelas bandas. Então nós subimos no palco ali naquele show com sangue nos olhos mesmo, “é o nosso momento”. O show era de tarde, não tinha a nossa luz, era o primeiro show, mas nós estávamos ali para conquistar espaço.
Então, bicho, a gente sabia da importância desse festival. A gente sabia mesmo como seria importante para nós e a gente foi lá e quebramos tudo mesmo, tanto na edição aqui de São Paulo quanto na do Rio, os dois shows foram fantásticos.
EQFM: Você tem alguma história de bastidores para dividir com a gente, na convivência com esses artistas que você era fã declarado também?
Beto Bruno: Milhares. Por exemplo, nesse festival a gente mandava no hotel. Mandamos cerveja pro quarto do Iggy Pop. Ele não estava bebendo já fazia anos. Mesmo assim, a gente mandava de meia em meia hora só para acordarem ele. Ele ficava puto da cara, deu um gritão no corredor: “ooh man!”, com aquela voz dele. Nós incomodávamos os caras. Eu acho que é por causa dessas coisas bacanas que ficam no tempo que hoje a gente está junto.
Hoje a gente só está lembrando das coisas boas que a gente teve, e eu acho que é assim que tem que funcionar a vida. Passar por cima das coisas ruins e enaltecer as coisas boas. E se tem uma banda que se divertiu na estrada, era a Cachorro Grande. Uma família de palhaços que se divertia muito. O tempo inteiro um sacaneando o outro, brincando com o outro e eu tava morrendo de saudade, bicho.
EQFM: Vocês falam isso no documentário, inclusive, que vocês abraçaram bem esse espírito do rock transgressor, inconsequente. Alguém diz que “a Cachorro Grande é aquela banda que passa pela tua cidade, come tua namorada e você acha legal ainda”.
Beto Bruno: Quem falou isso no documentário foi o Rodrigo de Andrade. O Garras Verdes, o cara que lançou o nosso vinil. Eu não concordo com ele não. O negócio era com o som. Era o som e festival nos deixava afiados porque dava um tom de “nós temos que amassar esses caras”.
EQFM: Em meia hora.
Beto Bruno: É, a gente tem meia hora aqui pra fazer tudo que a gente sabe. Então sempre ficou muito intenso. Isso não se perdia em shows normais, a gente tocava em festival, abríamos pro Oasis no fim de semana, no outro a gente voltava a tocar para 1000 e poucas pessoas em cidades pequenas. Mas a gente dava o mesmo sangue em respeito aos fãs.
A gente dava o mesmo sangue para poder voltar nesse lugar no ano que vem. As pessoas ainda quererem ir ao show. Quando perguntam “por que a banda durou tanto?” Eu acho que é por causa disso, por respeitar o fã, tentar sempre dar o máximo pra eles, fazer com que eles voltem no próximo show.
A gente tinha isso muito forte com os shows e com os discos também, a gente era mais chato ainda. A gente queria sempre apresentar alguma coisa diferente do que já tinha feito, sempre queríamos fazer um disco melhor. Em alguns momentos a gente não conseguiu fazer os discos tão bons quanto a gente achava que poderia, mas tentamos o tempo inteiro chegar lá. Pelo menos era um disco diferente, tinha uma outra proposta, uma outra sonoridade sempre. Sempre tinha alguma coisa nova.
EQFM: O que gostaria de conquistar com a banda nessa nova fase que ainda não alcançou nestes últimos 25 anos?
Beto Bruno: Eu nunca pensei assim, sabe? A própria abertura do show dos Rolling Stones é uma coisa que eu nunca me permiti sonhar. Meu sonho era assistir o show deles. Abrir o show dos Stones? Eu acho que ali, a banda acabou logo em seguida. Eu vi o Barão Vermelho abrindo pros Stones aqui em São Paulo na primeira vez que eles vieram e eu pensei: “cara, esse é um bom emprego, esse é um bom trabalho”. Quando tu chega no teu país a abrir um show dos Rolling Stones, é porque tu está consagrado, é porque tu merece estar lá. Não é pra qualquer um.
Eu acho que o grande sonho a gente nunca teve. Esse grande sonho de conquistar, de ser grande, de ser popular.
A gente nunca teve essa cobrança. A gente nunca fez singles específicos para conquistar o público. O que eu sempre quis é poder estar vivendo bem, não deixar faltar nada para minha família. Eu ajudo muito a minha família. Eu cuido de muitos gatos aqui da Vila Mariana, de rua. Se não estiver faltando nada pra gente,está maravilhoso, porque a gente está vivendo de música. O meu trabalho durante a semana é ficar em casa como se fosse um escritório. Uma vez por semana eu dou uma escapadinha lá pro centro, dou uma olhada nos discos, almoço por lá. O resto da semana eu estou aqui e no fim de semana eu estou na estrada. É só isso que eu quero, é só isso. Não tem essa coisa de poxa, um dia nós vamos explodir, sabe? De não poder andar na rua? É tudo que eu não quero.
EQFM: Nem digo só por esse sentido. Às vezes vocês querem fazer uma turnê Internacional, talvez explorar uma sonoridade que vocês não tocaram ainda…
Beto Bruno: É, nunca fomos pra Argentina, sabe? A gente vivia pensando assim “ah, a gente quer ir pra Londres”. Porque as nossas bandas preferidas são as americanas e as inglesas, as bandas londrinas e tal. Mas a gente nunca foi para a Argentina, bicho, que é aqui do lado. Tá errado isso. A Argentina tem um público de rock fantástico.
Aí está uma boa, tu acabou de dizer. Agora um dos meus sonhos é fazer uma turnê internacional. Por isso que a gente primeiro tem que saber o futuro da banda, o que é que vai ser, né?
EQFM: E isso só esses próximos shows dirão?
Beto Bruno: Então, a gente não para de compor. Nesse meio tempo eu mostrei umas músicas para o Gross, o Gross mostrou umas músicas para mim. O Pedro, pianista, e o Gabriel, baixista, apareceram com outras músicas. A gente foi somando e somando. A gente tem 29 músicas novas.
EQFM: Olha só, informação relevante!
Beto Bruno: Então já temos músicas para 3 discos. Eu adoraria voltar definitivamente para Cachorro Grande com um disco. Eu acho que uma volta definitiva tem que ter disco. Uma coisa é fazer uma turnê de 25 anos e tal. Os próprios [Rolling] Stones, eles não fazem turnê sem lançar um disco. É assim que acontece.
Tá aí, mais uma coisa que eu adoraria e a gente está conversando sobre.
EQFM: Não tem nada que impeça que isso aconteça, nenhum empecilho…
Beto Bruno: Entre nós, não. As músicas são boas, eu acho que é um dos melhores materiais que a gente já reuniu. Tem muita coisa. Eu tô amarrado. Tô amarrado mesmo. Bem provável que a gente grave esse disco. Eu quero muito, talvez no início do ano que vem, quando terminar essa turnê.
Eu vou torcer para que isso aconteça. Viu, Gross, Gabriel e Pedro, vamos fazer um disco. Um disco foda, tá? Tô convidando vocês. Oficialmente.
EQFM: Ficamos felizes e ansiosos para ouvir! Desses 29 sons que você mencionou, tem alguma pista do caminho que eles estão tomando? Se é algo que remete à uma sonoridade mais antiga da Cachorro Grande ou a algo novo?
Beto Bruno: Aí que está, eu gosto muito do que está saindo porque não parece a continuação da banda, não é a continuação óbvia. Aqueles rocks…tem muito rock, claro. Umas coisas novas estão aparecendo e desse montante aí a gente vai querer trabalhar justamente as que tem alguma coisa de novo para acrescentar na discografia.
EQFM: O Rio Grande do Sul nos agraciou com uma série de bandas de rock marcantes: Replicantes, Bidê ou Balde, Engenheiros do Hawaii, Ultramen, Fresno, Júpiter Maçã e, claro, a Cachorro Grande. Como você enxerga a “cena” do estado e da cidade de Porto Alegre hoje em dia? O público gaúcho tem uma predileção pelo rock? Ainda vê bandas sendo formadas?
Beto Bruno: Eu não tenho visto muita coisa. Sabe, não tenho visto muita movimentação, mas eu também não tô morando lá. Na época eu tava por dentro de tudo, das bandas novas que estavam tocando, que estavam aparecendo. Eu saía, assistia as bandas. Mas eu não sou a pessoa certa para te dizer isso. Eu não vejo alguém fazendo um barulho que chegue em mim sem eu pesquisar.
Com certeza tem bandas tocando nas garagens de Porto Alegre. Com certeza deve ter um underground lá se movimentando, porque Porto Alegre é muito cultural e historicamente é um dos maiores celeiros de bandas de rock do Brasil. É incrível, tem muita banda e tem muita banda boa. Ao contrário do que falam, porque costumam botar as bandas gaúchas tudo no mesmo saco, mas a grande verdade é que cada banda tem a sua sonoridade, cada banda tem o seu som, seu estilo, suas influências e isso faz com que o Rio Grande do Sul seja muito rico no quesito rock ‘n roll.
EQFM: Muitas bandas fazem esse movimento de hiato, ruptura e o inevitável retorno após alguns anos. Um dos grandes exemplos de 2025 é a turnê do Oasis, que começou recentemente. Muita gente se questiona se não era melhor preservar as memórias e o legado, manter algumas coisas no passado. Qual banda você acha que não deveria ter voltado, por esses ou outros motivos?
Beto Bruno: Cara, nenhum problema com volta. Eu glorifico mais quem volta com um disco e faz uma turnê em cima de um disco. Tem muita banda que volta só para fazer a turnê, porque tem gerações que não assistiram. Por exemplo, em Porto Alegre, uma das maiores bandas da história do rock gaúcho é o TNT. Banda pioneira, precursora do rock gaúcho e está fazendo shows. Bicho, eu não vi eles. Eu quero ver o TNT. Isso que eu sou da geração deles, mas eu não os vi no auge. O Oasis faz 16 anos que teve aquela última turnê, né? Tem uma outra geração que quer ver. Agora, se eles lançassem um disco, aí o pacote seria completo. Eu cheguei a sonhar em que eles lançassem um disco, é uma das minhas bandas preferidas e é claro que eu já tenho ingressos para os shows aqui de São Paulo.
EQFM: Você tem shows ou experiências que foram muito marcantes no palco? Pensando na sinergia da Cachorro Grande com público.
Beto Bruno: Milhares, muitos. Circo Voador (RJ) sempre é lindo, incrível. Essa turnê vai passar pelo Circo Voador. Galera que pergunta “cadê show no Rio?” Vai passar pelo Circo, nós já estamos conversando. Mas eu nunca vou esquecer da 2º edição da Virada Cultural aqui em São Paulo, a gente tinha lançado o Pista Livre dois meses antes, estávamos trabalhando só uma música na rádio e um clipe na MTV ainda, mas ali tinham 20 mil pessoas cantando o disco inteiro. Nosso primeiro show grandioso em São Paulo, sabe? Aquilo lá deixou nós arrepiados.
EQFM: A Cachorro Grande acabou entrando para o panteão do rock nacional. Vocês fizeram colaborações já com o Lobão, Nando Reis, Samuel Rosa, figuras gigantescas do gênero. Vocês se enxergam como essa banda que de fato tem seu nome cravado na história do rock brasileiro? Já mencionamos Mutantes, mas quais são as 3 bandas lendárias do país para você?
Beto Bruno: Tem várias, tem várias. Não, a gente não se coloca nesse panteão, não. A gente sabe o nosso lugar. A gente luta, continua. Estou falando como se a banda tivesse voltado já, estou falando por todos, mas a gente está sempre tentando chegar lá. De alguma maneira. A gente respeita muito todas as bandas que a gente viu tocando junto em festival, que eu cresci ouvindo. A gente sabe que é difícil. Em algum momento a gente chegou lá. Agora ficar lá é muito mais difícil do que chegar. A gente quer lançar um disco novo, quer ver o que acontece. Espero que o resto da banda não fique puta comigo, que eu tô falando de disco novo aqui, mas fiquem espertos.
Eu sou apaixonado, como tu falou, pelos Mutantes, sou apaixonado pelos Titãs. No ano retrasado teve a turnê dos Titãs. Eu assisti 2 vezes e cara, grandioso, maravilhoso, incrível. Eu gosto muito do Ira, eu gosto de muitas bandas de rock aqui do Brasil. Mas eu sou colecionador de discos, e gosto muito de MPB. Eu tenho muita coisa de MPB, então eu acho que os Novos Baianos são uma puta banda de rock, saca? Com toda aquela brasilidade. Os Doces Bárbaros, Caetano, Gil, Gal, Bethânia. Essa foi a maior turnê que já teve no Brasil, foi a melhor e a maior. Isso é uma grande banda. O Clube da Esquina é um bandão de rock, bicho.
Eu acho fantásticas aquelas guitarras do Clube da Esquina, do Lô Borges, do Toninho Horta, do Beto Guedes, aquilo é muito rock, é mais rock do que muitas bandas que saem aí vestidas de preto com aquele visual agressivo, tentando provar alguma coisa.
EQFM: O que você tem ouvido de bandas nacionais que te chamam a atenção? No rock ou em qualquer gênero.
Beto Bruno: O Daparte de Belo Horizonte que vai fazer um show com nós lá em Setembro. Uma banda que eu gosto muito. Tem a Colomy aqui de São Paulo, metade da banda são gaúchos, tocaram comigo. Eu gosto muito, e os Hurricanes eu sou simplesmente apaixonado. Eu acho um bandão, eles estão fazendo tudo certo, os músicos fantásticos e o mais importante, com muito bom gosto.
O Rodrigo [Cezimbra] para mim é o último dos grandes vocalistas de rock brasileiro, sabe? É um monstro, canta bem demais, puta presença de palco, ótimo compositor, ótimo letrista, bom gosto em tudo. Eu sou muito fã deles, é uma honra estar dividindo o palco com eles aqui no Carioca Club em São Paulo, esse show vai ser foda
EQFM: Vão ter mais shows além da agenda divulgada? Vocês acham que vai rolar uma turnê no norte, nordeste?
Beto Bruno: Sim, a procura está sendo grande e a gente vai atender. Eu estou super afim. O resto da banda está super afim. Periga essa turnê dos 25 anos terminar quando nós já tivermos com 26. Mas eu não quero continuar a turnê, eu não quero fazer shows esporádicos, eu quero é gravar um disco com a banda e voltar definitivamente. Isso é uma grande volta, sabe? A turnê sem disco, como eu falei antes, me soa um pouco caça-níquel e isso me incomoda porque não é o nosso caso. Nós estamos ali, de coração na mão, em cima do palco, apaixonados pelo que estamos fazendo acima de tudo.
EQFM: Vocês foram uma banda onipresente na MTV Brasil, o que impulsionou muito a carreira da Cachorro Grande em uma era onde a internet ainda não era como a conhecemos hoje. Agora vocês retomam a carreira em um cenário quase 100% digital. Como é que você enxerga essa mudança? Qual é a diferença de hoje para os anos 2000?
Beto Bruno: Quando terminavam os shows, a gente fazia uma festa. A gente ia pra piscina do hotel, ficávamos até de manhã. Enquanto a Fresno terminava os shows, eles iam pro computador falar com os fãs. E a Fresno ficou daquele tamanho porque eles foram uma das primeiras bandas a entenderem a importância disso. A Cachorro Grande não dava bola para isso na época. A gente perdeu muito espaço. Simplesmente para mim era uma coisa de outro planeta. Vou te dizer que até hoje eu estou engatinhando com isso. Eu tenho o meu Instagram ali que eu posto uma coisa, duas coisas por mês, às vezes umas coisas nada a ver. Eu não sei a linguagem, eu não entendo a linguagem, sabe? Chega a ser engraçado, mas é um lugar bom para divulgar os shows e os lançamentos, e aí eu aprendi que é para isso também.
Mas a Cachorro Grande perdeu muito por não ter embarcado na era digital. Não ter embarcado nas redes sociais, por ter virado as costas para isso. Não ter entendido a importância disso em um trabalho. Até hoje a gente está apanhando.
EQFM: Bom, vocês têm uma segunda chance para isso agora também, né?
Beto Bruno: Quem é que teve duas chances na vida? É isso que eu falo todo dia para o pessoal da banda. Nós estamos tendo uma segunda chance, e hoje nós estamos criando essa segunda chance. O público está respondendo. Então tá aí, bicho, é incrível. É um sonho se realizando de novo.
EQFM: Queria pedir, Beto, por favor, para você deixar sua mensagem para o público do EQFM. O que eles podem esperar dos shows da Cachorro Grande daqui para frente?
Beto Bruno: Eu quero te agradecer também. A gente só falou de som, melhor impossível. Quero deixar um grande abraço para todos os que acompanham o trabalho de vocês, que eu vi aqui que é sério, é bacana demais. Um abraço pra todos e se encontrarem a Cachorro Grande na estrada, saibam que vocês vão se divertir muito. É pra isso que a gente tá na estrada, com certeza.
A Cachorro Grande está divulgando novas datas em sua agenda para o 2º semestre de 2025. Paulistanos e paulistanas poderão testemunhar a celebração de 25 anos da banda no Carioca Club no dia 8 de agosto. Ingressos estão disponíveis no Clube do Ingresso.
Agenda:
08/08 – Carioca Club (São Paulo/SP)
09/08 – Festival ATL Celebration (Floripa/SC)
16/08 – Autentica (Belo Horizonte /MG)
20/09 – Acústico MTV Bandas Gaúchas – Araújo Vianna (Porto Alegre/RS)
21/09 – Acústico MTV Bandas Gaúchas (data extra) – Araújo Vianna (Porto Alegre/RS)
1 Comentário
Incrível! Douglas Freitas simplesmente genial. sou fã!