No livro Fantasmas da Minha Vida, Mark Fisher provoca reflexões sobre a ausência de inovação cultural, afirmando que a música, enquanto conceito de futurismo, passou a repetir fórmulas, parecendo incapaz de projetar novos horizontes. Em um cenário tão moldado pelo comodismo com o passado, o BaianaSystem surge como uma exceção: ao se autodenominar “nostalgia do futuro”, a banda baiana desafia essas convenções, traçando pontes entre o passado, o presente e o porvir. O Mundo Dá Voltas, quinto álbum do grupo, é uma celebração da ancestralidade, da coletividade e da experimentação, reafirmando o papel do grupo como visionário no cenário musical.
Produzido por Daniel Ganjaman e lançado pelo selo próprio da banda, o Máquina de Louco, o álbum ecoa as vibrações de um Brasil mais próximo da América Latina, incorporando vozes icônicas como Gilberto Gil, Anitta e a Orquestra Afrosinfônica. Nesse mosaico sonoro, cada colaboração desempenha um papel essencial. A força do coletivo, mencionada em faixas como A Laje, onde Emicida e Melly unem rimas e melodia, é uma das marcas do trabalho. Em Porta-Retrato da Família Brasileira, a lusofonia de Dino D’Santiago e Kalaf Epalanga adiciona camadas à narrativa afro-latina, evocando reflexões sobre as desigualdades históricas das Américas.
A musicalidade da BaianaSystem permanece inquieta e experimental, mas agora com um foco maior na mensagem e na imersão emocional. Se Duas Cidades (2016) era uma ode a Salvador e O Futuro Não Demora (2019) explorava elementos mitológicos e históricos, “O Mundo Dá Voltas” faz da ancestralidade um ponto de partida para diálogos contemporâneos. Faixas como Batukerê, com Dino D’Santiago, e Magnata, uma crítica bem-humorada ao consumo, contrastam com momentos de introspecção, como Pote D’Água, que une Gilberto Gil à memória cultural de Salvador.
Outro elemento que distingue o álbum é sua capacidade de reunir gerações e vozes diversas em uma obra coesa. Faixas como Cobra Criada / Bicho Solto, que conta com a potência de Pitty e do rapper soteropolitano Vandal, exemplificam como o álbum é um inventário de colaborações. Essa característica também é visível na presença de artistas como Seu Jorge e a dupla Antônio Carlos & Jocafi, que trazem a força da música popular brasileira de outras décadas para dialogar com as novas vozes da cena atual, como Melly e Alice Carvalho. Ao transitar entre a reverência à tradição e a busca por novos territórios, o BaianaSystem oferece uma experiência musical que não se limita a refletir sobre o mundo – ela o transforma, fazendo da música um espaço de resistência, cura e reinvenção.
Apesar do ritmo mais tranquilo em algumas faixas, o que demonstra o oposto da experiência de um show do Baiana, o álbum mantém seu vigor. As canções, descritas como “música de cura” pelo vocalista Russo Passapusso, foram gestadas em um período de isolamento e reflexão profunda durante a pandemia, mas carregam consigo a explosão característica dos shows da banda, prometendo incendiar o carnaval e além.
No livro Fantasmas da Minha Vida, Mark Fisher argumenta que a música perdeu a capacidade de articular o presente porque o futuro, enquanto horizonte de inovação, foi sequestrado por uma repetição infindável do passado. Para Fisher, o futurismo tornou-se um estilo vazio, desprovido de novidade, como se a história cultural estivesse presa em um ciclo de referências nostálgicas. É justamente nesse contexto que o BaianaSystem emerge como uma força transformadora, onde projeta possibilidades inexploradas.
Em “O Mundo Dá Voltas”, a mistura de samba, reggae, dub, e afrobeat funciona como uma arqueologia sonora que revela tanto a memória coletiva da diáspora africana quanto os caminhos possíveis para a música brasileira no século XXI. Assim, o BaianaSystem desafia a comodidade denunciada por Fisher ao propor uma música que, em tempos de futuro perdido, a banda se posiciona como um farol criativo, provando que ainda é possível criar novas linguagens ao olhar para o passado, enquanto moldamos o presente e sonhamos o que está por vir.
Ouça o álbum na íntegra abaixo: