Quando ouvi pela primeira vez “Hasta la raíz”, canção de Natalia Lafourcade, eu entendi que a interpretação se expande, mesmo que a intenção primordial – falar de Veracruz, cidade mexicana natal da cantora – se ampliasse à medida que o alcance da música fosse além. “Debí tirar más fotos”, de Bad Bunny, tem um efeito semelhante. O artista homenageia Porto Rico, sua terra natal, e transforma suas memórias e referências em um convite aberto para que qualquer um que o escute também se encontre em sua narrativa de pertencimento e identidade.
No sexto álbum de sua carreira, Benito opta por um movimento que ressoa com força tanto em sua sonoridade quanto em sua mensagem. Ao contrário da pegada experimental de “Nadie Sabe Lo Que Va A Pasar Mañana”, que priorizava o trap, “Debí tirar más fotos” equilibra tradição e modernidade. Desde a abertura com “NUEVAYoL”, que sampleia El Gran Combo, até a emocionante salsa “BAILE INoLVIDABLE”, Bad Bunny mergulha fundo em gêneros como plena, bolero e reggaeton, criando um som que é tão nostálgico quanto contemporâneo.
Esse movimento de revisitar suas raízes também reflete um amadurecimento artístico. Ao longo do álbum, Bad Bunny demonstra um maior controle sobre sua narrativa musical, alternando entre momentos de euforia e introspecção com precisão cirúrgica. Canções como “LA MuDANZA” e “PIToRRO DE COCO” ilustram essa dualidade, onde a melancolia de quem olha para o passado se equilibra com a determinação de quem quer moldar o futuro.
A dimensão política do álbum também não passa despercebida. Faixas como “LO QUE LE PASÓ A HAWAii” fazem um paralelo entre a gentrificação de Porto Rico e a perda de identidade vivida pelo Havaí, reforçando a urgência de preservação cultural. A influência política se estende para a própria concepção do álbum, que inclui colaborações de jovens músicos porto-riquenhos e busca manter vivos os sons de sua terra.
“Debí tirar más fotos” é um manifesto afetivo. Benito usa a música como um álbum de lembranças, reconstituindo cada foto não tirada com melodias, batidas e versos que falam de amor, saudade e identidade. Em meio a um mercado global que frequentemente reduz a música latina a fórmulas repetidas, Bad Bunny reafirma sua essência e convida sua audiência a fazer o mesmo. Escute o álbum na íntegra: