Caranguejo (Parte 1), da Supercombo, mostra o retorno às raízes de forma revigorada e cativante
Desde trabalhos como Rogério (2016) e Adeus, Aurora (2019), a banda vem se mostrando consistente em elementos de sonoridade e lírica. Em Remédios (2023), começa a surgir um experimentalismo da parte rítmica. Entretanto, após mais de um ano entre respiros criativos e jams em estúdios, a primeira parte da duologia Caranguejo se mostra como um ponto fora da curva da qual revigora fãs antigos e capta novos expectadores.
Antes de vermos sobre o álbum em si, é relevante comentar sobre as realizações para o período de lançamento. O fã-clube oficial da banda (Central Supercombo), juntamente com a mesma, realizaram ações presenciais e online — dentre elas, por exemplo, um evento de audição para o disco novo, onde 30 fãs sortudos ouviram o disco novo em primeira mão — que colaboram ainda mais para fortalecer e ressignificar a relação fã-artista.
Uma coisa que também pode se juntar a outras características da banda é receber quem está ouvindo com uma faixa de grande impacto e teor reflexivo. Se em “Remédios (2023), temos “Aos Poucos” como faixa inicial, a nova era é muito bem recepcionada com “A Transmissão”. Com riffs pesados e cadência dançante, a música traz uma interpretação interessante da relação razão-emoção. A aparição de palavras como “Carádio” e “Hipnóticadência” vão um passo além na imersão da cultura brasileira; Guimarães Rosa foi um escritor mineiro muito conhecido pela criação de sua própria linguagem, resgatando termos arcaicos e os misturando com o dialeto popular do sertão.
O single escolhido para representar a primeira parte, “Piseiro Black Sabbath” , se mostra como impactante desde o seu lançamento. A mistura entre rock e piseiro pode parecer um tanto inusitada para ouvidos desatentos com o trabalho da banda, mas a canção conquista desde fãs assíduos até aqueles ouvintes casuais. Ela consegue passar essa essência ousada e contagiante até em seu videoclipe, que conta atualmente com mais de 160 mil visualizações no YouTube, onde somos introduzidos ao monstro Kaiju — com suas garras afiadas e visual inconfundível, além de uma coreografia fluida e leve.
O desenrolar do álbum mostra uma fração do quão volátil e complexa a vivência humana consegue ser. Na faixa seguinte, “Hoje Eu Tô Zen”, temos a dualidade entre tentar manter a calma na repetição de um mantra em tom agressivo; mistura já observada em músicas anteriores, como “A Piscina e o Karma”, “Bonsai” e “Fim do Mundo”. “Nossas Pitangas” mostra uma balada mais romântica com significado mais resiliente; nas palavras do vocalista Léo Ramos, na mais recente entrevista para Renato Melo (Blog n’Roll), “Usei como referência o anime Evangelion, o dilema do porco-espinho que machuca ao tentar se aproximar, mas, no caso, imaginei dois porcos-espinhos que aceitam se ferir e seguem juntos”.
Além das faixas mais divertidas, tem aquelas que constroem uma proximidade por meio de sentimentos que são possíveis de se relacionar. “Alento”, com seus instrumentais para o lado do pop-rock, é uma música que relata com carinho a delícia que é acompanhar de perto a evolução e crescimento de algo muito querido. “Testa” pode ser associada com “Saudade” (presente na regravação do EP homônimo da banda, lançado em 2021) — ambas falam sobre a questão do luto; enquanto a mais antiga trata de um sentimento vivo e perfurante, a mais recente traz uma perspectiva de aceitação e celebração.
Finalizando e amarrando o projeto muito bem, “O Alfaiate” pode ser considerada uma das músicas mais criativas da banda. O ponto de vista usado na lírica dá uma alterada, dando uma flertada com o fantasioso, retratando sobre uma pessoa que tira de si próprio para suprir as necessidades do outro enquanto busca por autoestima. A aparição de neologismos, mencionado anteriormente na música “A Transmissão”, aparece novamente; dessa vez, surgindo como uma brincadeira entre as palavras “auto-steamer” e “autoestima”.
Em suma, esse projeto marca claramente que a banda está entrando em uma jornada focada em explorar a diversidade nas influências culturais no território brasileiro. “Caranguejo (Parte 1)” é um trabalho do qual, ao mesmo tempo que não se parece com nada já produzido antes, consegue carregar com maestria toda a essência da Supercombo. Certeiro em tudo que se propõe a apresentar, esse projeto funciona como um grande cartão postal os apresentando para uma nova era no cenário musical, do qual fala “Isso é a gente, é isso que vai encontrar na nossa discografia”.
Respiros, mágoas, conflitos internos… Todos os tópicos vêm em velocidade máxima, atingindo o público em cheio como um incentivo para respirar fundo e continuar persistindo, seja em objetivos ou somente dar continuidade a vivência. No fim do dia, o Caranguejo é mais do que só um disco — é um mergulho coletivo, artistas e fãs, do qual está repleto de experimentos, entrega e renascimento para ambas as partes.
Texto por: Raven