Lorde já tentou se voltar ao externo e traduzir problemáticas do mundo ao seu redor por meio da música. Buscando a leveza que a turnê de “Melodrama” não trouxe, a era “Solar Power”, de 2021, somava a melancolia ao otimismo para falar de mudanças climáticas, natureza e fama de forma leve. Mas, com o lançamento de “Virgin” no último dia 27, a neozelandesa só prova que não é possível se afastar da sua essência por muito tempo. E ainda bem.
O novo álbum nos volta mais uma vez ao interior. São onze faixas que casam a potência vocal de Lorde com uma série de temas que exploram sua vulnerabilidade. Ela se abre sobre transtornos alimentares em “Broken Glass”, desdobra vivências de gênero, sexualidade e feminilidade em “Current Affairs” e “Clearblue” e narra até a busca constante por aprovação de sua mãe em “Favourite Daughter” – a mais difícil de escrever, produzir e cantar, segundo um post recente em suas redes sociais.
Destaques da tracklist, a tríade de singles “What Was That”, “Man Of The Year” e “Hammer” subiu rápido nas paradas musicais e já dava pistas de uma retomada artística muito alinhada aos sons eletrônicos e densos do synth-pop de “Melodrama”. Existe um resquício da Lorde de “Green Light” na batida vibrante, porém constante, de “What Was That”, da poesia caótica de “Homemade Dynamite” em “Hammer”; e da complexidade de se restabelecer após mudanças pessoais, descrita em “Writer In The Dark”, em “Man Of The Year”.
Nesta última, ela questiona concepções de gênero e abraça uma performance crua e fluida, traduzida no clipe com o look calça jeans, camiseta branca e seios cobertos com fita cinza. Enquanto isso, canta trechos como “Meu amor, mal posso acreditar que me tornei outra pessoa / Alguém mais parecida comigo mesma”, discurso que se reforça em “Hammer”: “Alguns dias sou mulher, outros dias sou homem”, afirma.
A produção do álbum ficou nas mãos de Jim-E Stack e Dan Nigro – uma mudança em relação à presença de Jack Antonoff nas últimas duas obras. “Era hora de mudar as coisas. Sou muito guiada por vibrações”, ela explica em matéria da capa da Rolling Stone. “Preciso apenas confiar quando minha intuição diz que é hora de seguir em frente.”
Apesar da lírica potente, esse afastamento de Antonoff não foi o suficiente para trazer uma ruptura estética à sonoridade. “Virgin” se mantém num padrão seguro de experimentação para o histórico da cantora e traduz a introspecção das letras com menos explosão que “Pure Heroine” ou “Melodrama”, mas sem ir muito além da base que já havia conquistado o público, com texturas eletrônicas e, nesse caso, arranjos contidos.
Mesmo com esse aspecto de retomada ao que conhecíamos antes de “Solar Power”, não interpreto “Virgin” como um mero acerto de contas. Aos 28, Lorde retorna após quatro anos de hiato escancarando que está mais madura do que nunca, apesar de não ter todas as respostas para suas angústias. Acredito que essa seja, inclusive, a pitada de identificação que a reaproxima de um público jovem adulto também cheio de perguntas, mas que busca, na música, mais conexão do que respostas. É um álbum para desvendar Lorde até os ossos – e isso vai além do raio-x da pélvis que estampa a capa.
Em entrevista recente ao podcast Therapuss with Jake Shane sobre o lançamento, a cantora alega que “não estaria aqui com um novo disco se não tivesse feito ‘Solar Power’”.”Foi uma tentativa de entender quem eu era quando ninguém estava olhando para mim”, confessa em entrevista ao Estadão. Bom, com a franqueza que fala de si em “Virgin”, parece que Lorde voltou seu olhar a quem é por completo. E, se foi mesmo o sol que lhe mostrou o caminho de volta para casa, torço para que a faça continuar brilhando.
Texto por: Isadora Noronha