Crescer como uma pessoa preta que se identifica com o emo, punk, indie ou qualquer vertente do rock é, na prática, navegar num território permeado por invisibilidade, contradições e barreiras sutis (e, às vezes, explícitas). Você ama a música, se veste como sente, expressa sua sensibilidade, mas escuta no seu entorno que isso não é pra você. O racismo nessas cenas não costuma vir como ofensa explícita, mas no silêncio da ausência, na falta de representatividade e nos olhares que, sem palavras, indicam que você está fora do lugar.
O emo surgiu como uma estética que acolhe a dor e a vulnerabilidade — mas isso é pra todos? O “emo padrão” foi desenhado em corpos brancos, magros, de cabelo liso e traços eurocêntricos, criando um modelo que historicamente excluiu corpos pretos, especialmente os de pele mais retinta. Corpos pretos que tentaram se “encaixar” nesse padrão foram ridicularizados, questionados e pressionados a se adaptar, apagando suas singularidades. A exclusão foi simbólica, social e estética — e até hoje a falta de diversidade nesse cenário deixa clara uma questão estrutural: ser emo e preto, pra muitos, parece uma contradição.
A presença de artistas pretos na cena rock/alternativa ainda é bastante limitada no país, especialmente se comparada à representatividade da população preta no Brasil. Mesmo com o talento e a diversidade cultural existentes, esses artistas enfrentam desafios pra conquistar espaço e visibilidade nesse cenário. Além disso, a indústria musical tem historicamente segmentado gêneros por raça, empurrando artistas pretos pro funk, o samba ou o rap, enquanto o rock, considerado “branco” e “alternativo”, se torna um espaço de pouca diversidade racial.
Essa sub-representação impacta o repertório, a estética e a sensação de pertencimento: quantos pretos você já viu na frente ou atrás do palco de um show de emo? Você já foi em um show de uma banda emo e viu integrantes pretos? A solidão de ser “o único” no rolê não é só uma questão de presença física, mas um símbolo da exclusão histórica e estrutural que precisa ser rompida. O rock tem raízes pretas profundas. Vem do blues, do jazz, do soul, gêneros criados e pavimentados por artistas pretos. Só que essa história, muitas vezes, é esquecida ou invisibilizada, como se o rock fosse território exclusivo de pessoas brancas. O emo, que nasceu como uma ramificação do rock alternativo, se apresenta como espaço de sensibilidade e resistência. Mas, ainda assim, ele muitas vezes ignora essas raízes pretas que estão ali desde o começo.
A cena alternativa demora pra abrir espaço pra corpos e vozes pretas porque, historicamente, padrões eurocêntricos dominam as estéticas e narrativas do gênero. Isso cria barreiras invisíveis que excluem quem não se encaixa nesses padrões. Mas a gente pode mudar isso. Reconhecer a presença preta na música, valorizar suas contribuições e criar espaços que acolham verdadeiramente a diversidade é o primeiro passo pra desconstruir esse racismo estrutural. Você, fã de rock ou emo, pode começar questionando a ausência que te incomoda, buscando artistas e vozes pretas, e se posicionando contra a invisibilidade.
Desmontar essas barreiras significa fazer do emo e do rock lugares onde todas as vozes pretas possam existir sem precisar mudar quem são. É abraçar uma cena plural, onde a diversidade não é só uma palavra bonita, mas uma prática real. Essa revolução começa ao reconhecermos o passado, questionarmos o presente e abrirmos espaço pra um futuro onde uma pessoa preta possa estar em qualquer cena musical — inclusive no emo — sem pedir licença!