Fotos: Dayane Mello
O Forfun enfim fez sua parada obrigatória em São Paulo pela turnê “Nós”. A gira de reunião já cruzou todas as regiões do país desde o início de junho e a data do dia 9 de agosto ficará marcada na carreira do quarteto de pop-punk/reggae carioca por ser o primeiro retorno em 10 anos à cidade, além da estreia em um estádio para dezenas de milhares de fãs saudosistas. Com duas bandas de abertura escaladas para aquecer os presentes, Menores Atos (RJ) e o Rancore (SP), a música começou a rolar cedo, logo às 18h.
Segundo a assessoria da produção do evento, os ingressos estavam esgotados para todos os setores do estádio palmeirense, mas mesmo assim a casa demorou a encher na noite de sexta. O clima de chuva com mínima de 6º previstos para o fim de semana somados ao típico trânsito intenso no horário de pico em um dia útil na capital contribuíram para o atraso na chegada do público.
Menores Atos
O show inicial dos também cariocas do emo/post-hardcore marcou a primeira reunião da noite: o baterista Bola, membro original do trio, mais uma vez se viu responsável pelas baquetas no Menores Atos. A banda também era estreante em um palco de estádio e com muita propriedade entregou um set entrosado, redondo, com som bem equalizado e produção minimalista – amplificadores no palco e somente o nome da banda no telão. O Menores Atos foi direto ao ponto: mandaram uma mescla de sons marcantes da sua discografia com o que deu para encaixar do celebrado disco Animalia ao vivo, começando a apresentação pela faixa homônima.
O ponto alto da apresentação instrumental da banda veio mesmo na última música do show, “Sereno”, com uma parte final estendida que foi como uma sessão de descarrego. O timbre grave e distorcido vindo das quatro cordas do baixo de Celso Lehnemann, acompanhadas pela urgência da guitarra e os vocais melancólicos de Cyro Sampaio (vocal/guitarra) com Bola na bateria ditando o ritmo com bastante peso, revelaram uma banda que vive o seu auge e deixou saudades da formação original.
Quem não conhecia o Menores Atos, teve um ótimo cartão de visitas apresentado pelos três músicos.
Rancore
O Rancore, não por acaso, vive também um período de reunião e um novo auge para a banda. Com um pouco mais de experiência em 2024 tocando em grandes eventos — eles foram a primeira atração do palco principal da edição recente do Lollapalooza, em mais uma sexta-feira chuvosa no ano — o quinteto paulistano de hardcore-experimental reuniu sua formação do aclamado disco Seiva (2011) para a Turnê Relâmpago, que também cruzou a maioria das regiões do Brasil, mas ainda não haviam tocado em um estádio.
Os palcos extensos fazem bem para o Rancore, principalmente para o vocalista Teco Martins, que por boa parte do show se sente livre como uma criança cheia de energia em um imenso parquinho. Os demais músicos, Candinho (guitarra), Caggegi (baixo), Alê Felice (bateria) e Gustavo (guitarra) permanecem mais fixos em suas estações de retorno, microfone e pedaleiras, fazendo com que o seu cantor seja o agitador das massas e mestre de cerimônia.
O repertório do Rancore começou com a explosiva “Ritual”, que ironicamente fala sobre se lavar na tempestade em um dos seus versos, o que tirou um riso discreto do vocalista, como um prenúncio do banho que a plateia tomaria na noite ainda. A banda passeou então por algumas faixas do cultuado disco Liberta (2009), como “Respeito é a Lei” e “Temporário”, antes de tocar “Planto”, “Jeito Livre”, “Transa”, “Mulher” e outras músicas queridas do Seiva pelos fãs.
Teco é uma pessoa muito positiva e pede sempre muito amor, união e mistura entre os diferentes perfis, raças e gêneros das pessoas na plateia. Entre suas interações com o público, o corintiano relembra histórias de estádio e relata que a música “Samba” foi escrita em um: a faixa faz referência ao grito de uma das torcidas do Flamengo (“vai começar a festa!”) nos seus versos.
Após reverenciar sua cidade natal em “5:20”, o Rancore fez a primeira apresentação do novo single, “PELEJAR”, que soa como uma progressão natural para a banda com traços familiares que remetem ao seu último disco e aos trabalhos solo de Teco, principalmente na voz, nas guitarras e na linha de baixo marcante de Caggegi.
O Rancore reverenciou mais uma vez o ambiente do futebol e as torcidas ao pedirem a paz nos estádios e pedir para todos os fãs pularem abraçados, sem temer ou se envergonhar com os desconhecidos ao lado. Todos foram embalados então ao som de “Mãe”, última música da banda na noite.
Por pura diversão
Quem se programou, chegou! E o estádio parecia, enfim, lotado para comemorar o retorno do Forfun como amigos de longa data que não viam há tempos. Mesmo após a queda das luzes, a banda demorou a entrar no palco, e já trajados com suas capas de chuva, os fãs assistiram uma montagem em vídeo com recortes da trajetória da banda em suas primeiras turnês, gravando os primeiros álbuns, viajando e sendo jovens empolgados com o reconhecimento de seus talentos e convicções musicais Brasil afora.
O Forfun foi uma banda que nasceu do movimento Riocore e da fase mais áurea do pop-punk comercial no Brasil e no mundo na primeira metade dos 2000. Ao mesmo tempo, renegaram a fórmula que os trouxe sucesso para experimentar com o reggae e ritmos mais brasileiros, um pouco de rap e também foram bem sucedidos nessa aventura — sem nunca terem perdido aquela essência de banda de rock formada ainda na escola.
Parecia adequado que as duas músicas que iniciaram o show fossem então “Hidropônica” e “Good Trip”. Hinos dos fãs de pop-punk brasileiros, adolescentes dessa primeira década do novo século. As músicas foram marcadas pela energia e positividade da banda e incendiaram o Allianz Parque.
O Forfun, apesar da estreia fora de casa em um estádio, se mostrou bastante digno de ocupar aquela posição como mandante do baile. A banda tocava com a confiança de quem nunca se separou, como se essa fosse só mais uma noite — e se contarmos que ao menos três quartos dos membros continuaram tocando juntos graças ao Braza, isso faz mais sentido.
Mas essa não era uma noite qualquer, e humildemente os 4 membros fizeram questão de lembrar disso muitas vezes. O guitarrista e vocalista Danilo Cutrim agradeceu ao público logo no início do show, disse que nunca imaginou dar boa noite para um estádio antes e lembrou os presentes que eles no palco seriam meros condutores, quem faria a festa acontecer seriam os fãs.
E de fato, apesar das condições adversas do tempo, que castigava o público pagante e teimava em tentar estragar a noite, os fãs não pararam por um instante de pular, cantar e dançar ao longo do repertório que passeou por todas as fases da banda, exceto pelo disco Nu (2014) — o último trabalho da banda foi negligenciado no repertório, com exceção da faixa “A Vida me Chamou”.
O Forfun engatou algumas faixas do disco Polisenso na sequência, como “Dia do Alívio, “Aí Sim”, “Cigarras”, “Viajante”, “Suave”e fez ironicamente de “Sol ou Chuva” a provocação final que São Pedro precisava para despejar o que estava previsto já pela meteorologia no bairro da Barra Funda. A chuva realmente apertou nessa hora.
A balada romântica “Minha Jóia”, parceria de estúdio com Toni Garrido (Cidade Negra), foi o momento do saxofonista convidado Lelei Gracindo brilhar como o “Kenny G carioca” do Allianz. Ele rouba a cena com o brilho das notas do seu sax e foi a trilha sonora para pelo menos um pedido de casamento na pista.
O show do Forfun foi marcado por algumas participações especiais, como já havíamos antecipado aqui no EQFM. O primeiro convidado ao palco foi o virtuoso guitarrista mato-grossense Mateus Asato (Bruno Mars, Silk Sonic) que tocou “Valer a Pena” com a banda. Na sequência, uma dobradinha: o guitarrista Thiago Castanho e o baterista Pinguim, ambos do Charlie Brown Jr. relembraram um b-side do disco Ritmo, Ritual e Responsa (2007). A faixa “Universo a Nosso Favor”, que foi gravada em parceria com o Forfun, seguida por “Só Os Loucos Sabem”, um clássico do Charlie Brown cantado por Vitor Isensee e Thiago.
Aos gritos de “Charlie! Brown!” e “P*ta que o paril, é a melhor banda do brasil: Forfun!” cantados pela animada torcida, o quarteto decidiu diminuir o ritmo e armou um mini-set acústico com os membros sentados na frente do palco. A banda interagiu bastante com a plateia relembrando sons mais antigos como “4 a.m.”, “Mentalmorfose” e “O Melhor Bodyboarder da Minha Rua” em um medley.
Essa etapa do show tem sido usada para homenagear músicas da cidade que a banda está visitando e em São Paulo não foi diferente. Danilo agradeceu os paulistanos por sempre acolherem o Forfun e pela cidade ser fonte inesgotável de grandes referências musicais para eles.
O carismático frontman do grupo puxou então mais um medley em parceria com o baixista e também vocalista Rodrigo Costa na voz. Juntos eles cantaram clássicos de Fat Family, Sabotage, Sampa Crew, Adoniran Barbosa, Exaltasamba e, para encerrar, uma homenagem especial à santa padroeira do rock paulistano: Rita Lee, com uma versão de “Mania de Você” cantada em uníssono pelo estádio.
A banda retomou os seus instrumentos elétricos após o baterista Nicholas Fasano dirigir palavras sobre comunhão e energia ao público presente, comparando o show do Forfun com uma cerimônia religiosa, e entraram na fase final do set com a última oportunidade dos fãs soltarem a voz ao som de músicas queridas da discografia como “Cara Esperto”, “Sigo o Som”, “Costa Verde”, “Gruvi Quântico”, a excelente “Cosmic Jesus” e “Alegria Compartilhada”.
A festa chegou ao seu inevitável fim quando Danilo puxou o riff do single que botou o Forfun no mapa do showbiz brasileiro: “História de Verão” foi a música derradeira de um setlist para fã nenhum botar defeito. O próprio Danilo mandou um “até outra oportunidade, quem sabe na nossa próxima volta” ao desejar uma boa noite aos seus fiéis seguidores — que saíram do Allianz Parque completamente ensopados, mas com a alma lavada pelo reencontro com uma banda aparentemente tão marcante em suas vidas como o Forfun é e sempre foi.
A alegria foi redobrada
O quarteto ainda tem mais alguns compromissos nesta turnê de reunião. A banda toca em Curitiba (16/08), Santos (17/08) e no fim do mês farão 3 datas seguidas na Marina da Glória, no Rio de Janeiro. A banda acaba de anunciar um retorno à São Paulo no dia 17 de novembro, no Espaço Unimed. A excursão chega ao fim com o time jogando em casa, no estádio Nilton Santos (Rio de Janeiro) no dia 23 de novembro.